Estes vídeos são de uma banda chamada Tinariwen, são parte de um povoado nômade da África.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
O Canto do Cisne
Retirado do Livro "Meu último Suspiro" - Luis Buñuel
De acordo com as últimas informações, possuímos agora bastantes bombas nucleares, não somente para destruir qualquer vida na terra, mas também para arrancar a terra de sua órbita e fazer com que se perca vazia e fria, nas imensidões. Isso me parece magnífico e quase sinto vontade de gritar bravo. Doravante, uma coisa é certa: a ciência é a inimiga do homem. Ela seduz, em nós, o instinto de onipotência que leva à nossa destruição. Aliás uma pesquisa recente comprova: entre setecentos mil cientistas "altamente qualificados" atualmente trabalhando no mundo, quinhentos e vinte mil esforçam-se para aperfeiçoar os meios de morte, para destruir a humanidade. Somente cento e oitenta mil pesquisam os metódos para salvaguardar-nos.
As trombetas do apocalipse soam às nossas portas há já alguns anos e nós tapamos os ouvidos. Esse novo apocalipse, como o antigo, acorre ao galope de quatro cavaleiros: a superprodução (o primeiro de todos, o chefe, o que brande o estandarte negro), a ciência, a tecnologia e a informação. Todos os outros males que nos assolam são apenas consequências. Sem hesitação, coloco a informação na categoria dos cavaleiros funestos. O último roteiro em que trabalhei, mas que nunca poderei realizar, baseava-se numa tríplice cumplicidade: ciência, terrorismo, informação. Essa última, quase sempre apresentada como um benefício, às vezes até como um "direito", talvez seja, na realidade, o mais pernicioso de nossos cavaleiros, porque acompanha de perto os três outros e só se alimenta de seus destroços. Se uma flecha o abate, logo haverá uma trégua na investida a que somos submetidos.
A explosão demográfica me impressiona tanto que disse muitas vezes - inclusive neste livro - que imagino frequentemente uma catástrofe planetária que eliminaria dois bilhões de habitantes, ainda que eu me incluísse entre eles. Acrescento que essa catástrofe só teria sentido e valor, aos meus olhos se proviesse de uma força natural, tremor de terra, calamidade inaudita, vírus devastador e invencível. Respeito e admiro as forças naturais. Mas não suporto os miseráveis fabricadores de desastres que cavam a cada dia nossa cova comum, dizendo-nos, criminosos hipócritas: "Impossível agir de outra maneira".
Imaginativamente, a vida humana não tem, para mim, mais valor do que a vida de uma mosca. Praticamente, respeito qualquer vida, até a da mosca, animal tão enigmático e admirável quanto uma fada.
(...)
Ao aproximar-se meu último suspiro, muitas vezes imagino uma última brimcadeira. Convoco aqueles de meus amigos que são ateus convictos como eu. Tristes, eles se distribuem em torno da minha cama. Chega então um padre que mandei chamar. Para grande escândalo de meus amigos, confesso-me, peço a absolvição para todos os meus pecados, e recebo a extrema unção. Após o que, viro-me de lado e morro.
Mas será que encontramos forças para brincar nesse momento?
Um pesar: já não saber o que irá ocorrer. Abandonar o mundo em pleno movimento, como que no meio de um folhetim. Creio que essa curiosidade em relação ao após-morte não existia antigamente, ou existia menos, num mundo em que pouco mudava. Uma confissão: apesar de meu ódio pela informação, gostaria de poder erguer-me entre os mortos, a cada dez anos, caminhar até uma banca de jornais e comprar alguns. Não pediria mais nada. Com os jornais debaixo do braço, lívido, esbarrando no muros, retornaria ao cemitério e leria os desastres do mundo, antes de tornar a dormir, satisfeito na proteção tranquilizadora da sepultura.
De acordo com as últimas informações, possuímos agora bastantes bombas nucleares, não somente para destruir qualquer vida na terra, mas também para arrancar a terra de sua órbita e fazer com que se perca vazia e fria, nas imensidões. Isso me parece magnífico e quase sinto vontade de gritar bravo. Doravante, uma coisa é certa: a ciência é a inimiga do homem. Ela seduz, em nós, o instinto de onipotência que leva à nossa destruição. Aliás uma pesquisa recente comprova: entre setecentos mil cientistas "altamente qualificados" atualmente trabalhando no mundo, quinhentos e vinte mil esforçam-se para aperfeiçoar os meios de morte, para destruir a humanidade. Somente cento e oitenta mil pesquisam os metódos para salvaguardar-nos.
As trombetas do apocalipse soam às nossas portas há já alguns anos e nós tapamos os ouvidos. Esse novo apocalipse, como o antigo, acorre ao galope de quatro cavaleiros: a superprodução (o primeiro de todos, o chefe, o que brande o estandarte negro), a ciência, a tecnologia e a informação. Todos os outros males que nos assolam são apenas consequências. Sem hesitação, coloco a informação na categoria dos cavaleiros funestos. O último roteiro em que trabalhei, mas que nunca poderei realizar, baseava-se numa tríplice cumplicidade: ciência, terrorismo, informação. Essa última, quase sempre apresentada como um benefício, às vezes até como um "direito", talvez seja, na realidade, o mais pernicioso de nossos cavaleiros, porque acompanha de perto os três outros e só se alimenta de seus destroços. Se uma flecha o abate, logo haverá uma trégua na investida a que somos submetidos.
A explosão demográfica me impressiona tanto que disse muitas vezes - inclusive neste livro - que imagino frequentemente uma catástrofe planetária que eliminaria dois bilhões de habitantes, ainda que eu me incluísse entre eles. Acrescento que essa catástrofe só teria sentido e valor, aos meus olhos se proviesse de uma força natural, tremor de terra, calamidade inaudita, vírus devastador e invencível. Respeito e admiro as forças naturais. Mas não suporto os miseráveis fabricadores de desastres que cavam a cada dia nossa cova comum, dizendo-nos, criminosos hipócritas: "Impossível agir de outra maneira".
Imaginativamente, a vida humana não tem, para mim, mais valor do que a vida de uma mosca. Praticamente, respeito qualquer vida, até a da mosca, animal tão enigmático e admirável quanto uma fada.
(...)
Ao aproximar-se meu último suspiro, muitas vezes imagino uma última brimcadeira. Convoco aqueles de meus amigos que são ateus convictos como eu. Tristes, eles se distribuem em torno da minha cama. Chega então um padre que mandei chamar. Para grande escândalo de meus amigos, confesso-me, peço a absolvição para todos os meus pecados, e recebo a extrema unção. Após o que, viro-me de lado e morro.
Mas será que encontramos forças para brincar nesse momento?
Um pesar: já não saber o que irá ocorrer. Abandonar o mundo em pleno movimento, como que no meio de um folhetim. Creio que essa curiosidade em relação ao após-morte não existia antigamente, ou existia menos, num mundo em que pouco mudava. Uma confissão: apesar de meu ódio pela informação, gostaria de poder erguer-me entre os mortos, a cada dez anos, caminhar até uma banca de jornais e comprar alguns. Não pediria mais nada. Com os jornais debaixo do braço, lívido, esbarrando no muros, retornaria ao cemitério e leria os desastres do mundo, antes de tornar a dormir, satisfeito na proteção tranquilizadora da sepultura.
A Passagem das Horas (trecho)
Obter tudo por suficiência
divina
As vésperas, os consentimentos, os avisos,
As cousas belas da vida
O talento, a virtude, a impunidade,
A tendência para acompanhar os outros a casa,
A situação de passageiro,
A conveniência em embarcar já para ter lugar,
E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, urna frase,
E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa.
Poder rir, rir, rir despejadamente,
Rir como um copo entornado,
Absolutamente doido só por sentir,
Absolutamente roto por me roçar contra as coisas,
Ferido na boca por morder coisas,
Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas,
E depois dêem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida.
As vésperas, os consentimentos, os avisos,
As cousas belas da vida
O talento, a virtude, a impunidade,
A tendência para acompanhar os outros a casa,
A situação de passageiro,
A conveniência em embarcar já para ter lugar,
E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, urna frase,
E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa.
Poder rir, rir, rir despejadamente,
Rir como um copo entornado,
Absolutamente doido só por sentir,
Absolutamente roto por me roçar contra as coisas,
Ferido na boca por morder coisas,
Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas,
E depois dêem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida.
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